Dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), informam que só no ano de 2020 foram registradas, no Brasil, cerca de 1,3 milhão de multas NIC – Não Indicação do Condutor, aplicadas quando o condutor não é identificado e o veículo pertence à uma empresa.
No entanto, em alguns estados e municípios brasileiros, as empresas com frota de veículos não têm acesso aos recursos administrativos garantidos pela legislação.
O advogado Cristiano Baratto, presidente do Instituto de Estudos de Transporte e Logística (IET), explica que apesar de não pontuar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), a multa por NIC tem uma característica especial em relação ao valor das multas. Isso porque seu custo é obtido por meio da multiplicação do valor da multa pelo número de infrações cometidas no período de um ano pelo veículo no qual não foi realizada a identificação do condutor.
“Essa multiplicação do valor da multa é uma penalidade pela não indicação do condutor. Como o veículo está registrado junto ao Detran em um CPNJ, é necessário que a pessoa jurídica indique quem era o condutor do veículo no momento da infração para que a penalidade de pontuação seja aplicada. Caso a empresa não indique o condutor, a penalidade é o pagamento de uma nova multa. Por exemplo, uma multa de R$195,23 pela não utilização do cinto de segurança pode triplicar de valor em uma terceira ocorrência, totalizando R$585,69”, ilustra.
Infrações não pontuadas na CNH
Barrato ressalta ainda que a legislação de trânsito permite que alguns tipos de infrações não sejam pontuadas na CNH, como acontece com veículos registrados em nome de empresas. “Quando o assunto são as multas NIC, os órgãos de trânsito de alguns municípios e estados brasileiros estão descumprindo os protocolos exigidos no processo de autuação e aplicando as penalidades sem a realização do processo administrativo. Para os proprietários dos veículos, trata-se de uma forma de cercear os direitos estabelecidos em lei, com a aplicação automática da multa”, considera.
De acordo com o advogado, as infrações cometidas pelos condutores desses veículos implicam na indicação obrigatória do motorista, mas, em diversos casos, o condutor não é apontado, o que resulta na geração de uma segunda multa NIC.
“Se houve uma infração por uso de telefone celular no trânsito, por exemplo, será aplicada ainda mais uma penalidade caso o condutor não seja indicado no prazo legal. No entanto, o Código de Trânsito prevê o dever de a empresa proprietária do veículo informar ao condutor. Caso não o faça, uma nova infração é cometida. O correto é que a empresa apresente o condutor dentro do prazo de 15 dias após a notificação ou autuação. Se a empresa não fizer isso, um novo processo de autuação é iniciado e culminará na aplicação de nova multa em decorrência da omissão”, esclarece.
O que diz a legislação
Dentro do protocolo legal, a multa de trânsito é, segundo Baratto, o resultado de um processo administrativo que envolve a notificação da infração, a comunicação ao proprietário e a possibilidade de recurso junto aos órgãos de trânsito, responsáveis pela análise dos argumentos apresentados.
Quando o processo é indeferido, o responsável pelo veículo ainda pode recorrer em outras instâncias superiores, e, somente no caso de uma segunda negativa por parte das autoridades, a multa é aplicada.
“Quando não há a identificação do condutor, o correto é iniciar um novo processo administrativo para que a empresa possa se pronunciar – o que pode ser acatado ou não. Porém, alguns Detrans e outros órgãos municipais estão infringindo essa etapa, com a aplicação da multa sem o direito de defesa”, afirma o advogado.
De acordo com ele, essa possibilidade de recurso está prevista no artigo 257 (inciso 8.º) do Código de Trânsito. “Ao não respeitar esse trâmite, os órgãos de trânsito levam à nulidade de cobranças e até mesmo ao direito de os proprietários questionarem judicialmente as multas para receber os valores que estão sendo cobrados ou que, em alguns casos, já foram até pagos”, explica.
Estatística
Embora o número de multas NIC tenha diminuído significativamente no ano de 2020 na comparação com 2019, quando foram registradas mais de 4,1 milhões de multas desse tipo, ainda assim, o volume registrado no último ano é considerado significativo, avalia o advogado.
Em sua opinião, essa redução pode estar ligada às políticas de isolamento social e ao desaquecimento econômico provocado pela pandemia de Covid-19, resultando em um impacto econômico às empresas que possuem esse tipo de veículo. “Como não há previsão legal de que a penalidade possa ser redirecionada aos sócios, se nenhum condutor for apontado, ninguém leva pontos na CNH. O valor, no entanto, é computado compulsivamente. Além disso, fica claro que a preocupação é muito mais econômica do que educativa”, acentua.
No Brasil, o estado que lidera o ranking de multas NIC emitidas é São Paulo, com um total de 990.445 ocorrências, segundo o Denatran. Minas Gerais fica em segundo lugar com 114.306 multas emitidas. De acordo o estudo, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul também apresentam números expressivos.